quarta-feira, 23 de outubro de 2013

TOLERÂNCIA RELIGIOSA DO ESTADO LAICO


 "... É preciso que o Estado laico imponha limites à intolerância religiosa...",  evidentemente dentro dos preceitos contidos em nossa Carta Magna, que estabelece a Separação: Igreja x Estado, que é um dos fundamentos da República Federativa do Brasil.

Entretanto, cremos que já é tempo da grande mídia brasileira, escrita, falada e televisada, quando assumir posicionamentos, que é seu direito, e para o bem da democracia, dever, perceber que nosso país é uma democracia multirracial, pluralista e diversificada, por isso, propaga-se a convivência religiosa, que se interpreta como respeito à dignidade da pessoa humana, que é fundamento assegurado pela sociedade civil organizada.

Nenhum de nós brasileiros quer que se repita, qualquer seja a motivação, a famosa "Noite de São Bartomoleu", exatamente porque concordamos, em face de nossa cultura pátria, ser impensável e impertinente, qualquer proposição de um "Estado Fundamentalista" tenha ele qualquer vertente de fé.

Por isso, os grupos religiosos, independente de seu tempo de existência, de seu patrimônio, de suas influências políticas, de sua quantidade de fiéis, de seu potencial financeiro etc., para resguardo de todos os cidadãos, devem ser tratados pelo Estado Laico de forma igualitária.

As Igrejas e Organizações Religiosas, que tem o direito de se auto-regulamentar, com base no Código Civil, devendo prestar contas a sociedade civil organizada, nas questões administrativas, associativas, patrimoniais, financeiras, tributárias, trabalhistas e penais, eis que, são o instrumental através das quais nossa "brava gente brasileira" exercita sua fé, que é direito subjetivo e personalíssimo, o que deve ocorrer de forma privada, eis que direito constitucional assegurado no artigo 5° da Carta Magna Nacional.

Estamos sim, diante de Tolerâncias Religiosas deste Estado Laico, eis que, numa afronta a princípios constitucionais republicanos, como o contido no artigo 19, inciso I, da CF/88, que veda o estabelecimento de cultos oficiais, pelo poder público, como os feriados religiosos, fixados por lei, que ocorrem, no país: Dia da Padroeira do Brasil, e em inúmeras localidades que o Dia do Padroeiro da Cidade é Feriado Municipal, além de outros, como na Cidade do Rio de Janeiro: Dia de São Jorge, em Brasília: Dia do Evangélico.

Por outro lado, registramos que um Juiz Federal (católico) no Rio Grande do Sul determinou a retirada de crucifixos da Sala de Audiências; de um Prefeito (espírita) que mandou retirar as imagens e símbolos religiosos das repartições públicas de um município em Minas Gerais;  e numa outra vertente, em Porto Velho (RO), a Câmara de Vereadores aprovou projeto de Lei Municipal que declara, “profeticamente, Jesus Cristo como único Senhor e Salvador”.


Devemos estar alertas, para a defesa do Estado Laico, onde o poder público, em qualquer nível, federal, estadual, ou municipal, ou nas três esferas, executivo, legislativo ou judiciário, é limitado constitucionalmente, não podendo interferir, prejudicando ou beneficiando, nas questões de fé, religiosidade e espiritualidade dos cidadãos brasileiros.

quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Acordo entre Brasil e Vaticano ameaça o Estado laico e as liberdades fundamentais

A Concordata foi assinado em 13 de novembro de 2008, em audiência entre o Presidente Lula e o Papa Bento XVI. No entanto, o plenário da Câmara dos Deputados aprovou regime de urgência para a matéria, o que coloca em risco o debate democrático e esclarecido sobre seu conteúdo e implicações


Um acordo inconstitucional precisa (no mínimo) ser debatido


“Concordata é o nome que se dá aos acordos assinados pela Santa Sé, órgão máximo da Igreja Católica Apostólica Romana, com o governo de qualquer país. Devido ao caráter jurídico peculiar da Santa Sé, esses acordos têm status de tratado internacional do tipo acordo bilateral. No Brasil, acordos internacionais são assinados pelo Presidente da República e dependem de posterior aprovação do Congresso Nacional (Constituição,  art.84, VIII). Uma vez aprovados, esses acordos têm força de lei e são incorporados à vida nacional. E, o que é especialmente importante, pelas normas internacionais, não podem ser desfeitos nem alterados por apenas um dos lados.” (Fonte: http://acordovaticano.blogspot.com).  

A assinatura da Concordata, que trata eminentemente de assuntos religiosos de interesse da Santa Sé, significa, a princípio, o tratamento estatal diferenciado de uma crença religiosa em detrimento das demais, as quais, por questões que dizem respeito unicamente às próprias confissões, não dispõem de organismos internacionais com personalidade jurídica nos moldes da Igreja Católica. Também significa o tratamento diferenciado em relação aos cidadãos ateus e agnósticos. Por tais razões, é flagrante a inconstitucionalidade da medida, por violar ao menos dois princípios basilares do direito brasileiro: a laicidade estatal (Constituição, art.19, I) e a igualdade material, em sua vertente de proibição de tratamento diferenciado entre cidadãos por razões de ideologia, crença ou culto (art.5°, caput, e art.19, III). 

Esta inconstitucionalidade exigirá por parte do Congresso Nacional e, eventualmente, do Sistema de Justiça, um posicionamento decisivo em defesa dos princípios constitucionais pétreos (imodificáveis) e das liberdades fundamentais de crença e culto, que devem ser exercidas sem qualquer intromissão estatal. 

A despeito de seu objeto declarado ser o “Estatuto Jurídico da Igreja Católica no Brasil” e de seus defensores propagarem que o documento apenas sistematizaria aspectos já contemplados no direito nacional, a Concordata, na verdade, trata de uma série de direitos fundamentais da população brasileira, retirando-lhe a prerrogativa de autodeterminação, através de seus representantes e dos instrumentos de democracia direta, em temas fundamentais como: a proteção ao patrimônio cultural (art.6°), a forma de oferta do ensino religioso (art.11), o estatuto do casamento (art.13) e a extensão dos direitos trabalhistas (art.16).  

Por tais razões, merece censura por parte da sociedade brasileira a forma pouco democrática como um tema de tão importante relevância e de tamanha repercussão na vida social foi tratado, até então, pelo governo nacional, sendo que o conteúdo do texto somente veio a público após sua assinatura em 13 de novembro de 2008, na Cidade do Vaticano, por ocasião da visita do Presidente Lula. Frente a este precedente, esperamos que o Congresso Nacional oportunize o debate necessário em suas Comissões Temáticas e na Comissão de Constituição e Justiça, ouvindo todos os setores interessados, analisando a fundo a constitucionalidade do texto e rejeitando as tentativas de aprovação sumária já postas em curso.

Um dos temas centrais da Concordata, com grande potencial de intervenção na realidade e nos debates internos, é justamente o ensino religioso, como está demonstrado adiante.  



O ensino religioso confessional “católico e de outras confissões religiosas”

Além desses aspectos gerais e apesar da Mensagem Presidencial insistir na idéia de que o acordo respeita a Constituição brasileira, alguns pontos são flagrantemente inconstitucionais e precisam ser rejeitados pelo Congresso. Nesse sentido, um dos principais pontos de preocupação é a possibilidade de retrocesso em relação ao ensino religioso, pois o acordo retoma uma concepção incompatível com o atual ordenamento jurídico, prevendo um modelo puramente confessional de ensino, dividido entre o “católico e de outras confissões religiosas”.   

A educação é direito de todos e dever do Estado, da família e da sociedade, sendo a garantia de ensino universal e gratuito atribuição específica dos poderes públicos, respeitado o princípio da gestão democrática. A escola pública, gratuita, laica, inclusiva e de qualidade é, nesse sentido, um espaço primordial de promoção da igualdade e do respeito à diversidade, bases para o exercício da cidadania e o desenvolvimento sustentável. O Estado laico, por outro lado, enquanto conquista indelével da cidadania, é aquele que respeitosamente não interfere nos assuntos religiosos e não estabelece relações de dependência ou aliança com cultos religiosos, igrejas ou seus representantes; consequentemente, é aquele que não cria distinções entre brasileiros ou preferências entre si (Constituição, art.19, incisos I e III). Sob tais fundamentos, Estado laico e escola pública universal, inclusiva e democrática são, historicamente, conquistas associadas e interdependentes.
 
Nesse sentido, carece de revisão por parte da sociedade brasileira e de seus representantes no Congresso Nacional o dispositivo do art.210, §1°, da Constituição (previsão de oferta obrigatória de ensino religioso, com matrícula facultativa), bem como sua regulamentação. Tal dispositivo é um corpo estranho no ordenamento constitucional de nosso Estado laico, com conseqüências negativas para o ensino e a cidadania. A realidade tem demonstrado que a previsão de “ensino religioso” se materializa nos sistemas estaduais e municipais de ensino como verdadeiro campo de disputas religiosas, absolutamente deletérias aos interesses do Estado, da sociedade e, destaque-se, das próprias crenças e confissões, veja-se nesse sentido a posição histórica de muitas delas a favor da laicidade estatal e, mais recentemente, contra a aprovação do Acordo com a Santa Sé, no que se alinham inclusive setores católicos. Nesse sentido, a formação religiosa é parte constituinte do direito à liberdade de crença e culto, devendo ser respeitada e protegida pelo Estado contra a interferência de terceiros, sendo exercida na esfera privada da família, da comunidade e de suas escolas e instituições confessionais.

Essa questão tem sido objeto de amplas discussões ao longo da história da educação brasileira, sendo certo que ainda não alcançamos o melhor modelo de definição, que estaria baseado no tripé: escola pública laica, liberdade para a abertura de escolas confessionais (sem financiamento público e respeitadas as normas estatais) e proteção à liberdade de crença e culto. No entanto, caso aprovada, a Concordata agravará profundamente as disputas religiosas na escola pública, e, com isso, difundirá em todo o território nacional as lutas por hegemonia já manifestas em algumas redes de ensino. No que seria um verdadeiro retrocesso até mesmo em relação à LDB, norma que atualmente delega aos sistemas de ensino a eleição dos conteúdos do ensino religioso e aponta para um modelo interconfessional (LDB, art.33), o Acordo retoma e praticamente consolida um modelo puramente confessional de ensino religioso, a ser loteado entre “católico e de outras confissões religiosas” (Mensagem n° 134/09, art.11, §1°).

Por tais razões, cabe às organizações, redes e movimentos (religiosos ou não), e principalmente aos educadores de todos os níveis, aos trabalhadores da educação, aos estudantes, às comunidades escolares e aos demais agrupamentos do campo educacional que historicamente tem lutado pelo escola pública laica enquanto elemento de qualidade reforçar as iniciativas críticas da sociedade brasileira à aprovação desta Concordata, quanto mais pela forma antidemocrática como esta vem se dando. Cabe a todos o chamado para que manifestem sua posição crítica ao Congresso e aos meios de comunicação, bem como a promoção do debate público, em respeito à efetiva liberdade de crença.