quarta-feira, 14 de novembro de 2012

DEPUTADO FEDERAL E PASTOR AFIRMA QUE OS AFRICANOS SÃO AMALDIÇOADOS


Fiquei um tanto indignado com o que ouvi: “Pr. Marco Feliciano diz que os africanos são amaldiçoados”. O pastor e deputado foi racista em suas declarações, porém, ele deve basear-se na visão de Santo Isidoro de Sevilha que no século XIII elaborou um mapa-múndi segundo a visão religiosa da época. O contexto medieval revela que por quase mil anos a Igreja Católica controlou as sociedades europeias através da cultura teocêntrica e da ideologia da fé. Isidoro de Sevilha fundamentou suas ideias absurdas, preconceituosas e racistas em Gênesis capítulo 2 e capítulo 9. Veja:

Gênesis 9:18,19: “E os filhos de Noé, que da arca saíram, foram Sem e Cão, e Jafé; e Cão [é] pai de Canaã. Estes três foram os filhos de Noé; e destes se povoou toda a terra.”


Foi com base nesta visão religiosa que o padre elaborou o mapa do mundo, com base na numa hipótese que para muitos teólogos encontra respaldo nos trechos citados acima. Pois é, creio que é também nessa hipótese que o pastor e deputado Marco Feliciano tem a sua formação teológica, afinal, tal ideia ainda se encontra em muitos manuais bíblicos contemporâneos, chave bíblicas e estudos ministrados aos fiéis. Digo isso com propriedade por ser professor de História, e também por ter ministrado estudos bíblicos por mais de dez anos para grupos familiares. Sempre que recorria aos manuais, dicionários e chaves bíblicas eu me deparava com explicações teológicas que tentava explicar a origem dos povos africanos. Porém na época, eu apenas desconfiava, porém nunca parei para avaliar o teor racista e preconceituoso que recheavam os textos que eu utilizava para justificar a presença de missionários na África.

Santo Isidoro tentou explicar como os continentes foram povoados a partir dos trechos bíblicos. Como assim? Pra quem não conhece essa história, então que tal um pouco de História?

Consta no livro Sagrado que depois que Noé saiu da Arca, ele se dedicou à vida de lavrador, assim, Noé plantou uma vinha, e o seu vinhedo foi tão produtivo que Noé para comemorar amassou algumas uvas, fez vinho e “encheu a cara”, “chapou o coco” como diz na gíria por ai, entrou na “manguaça” perdendo completamente a compostura. Totalmente ébrio Noé tirou a roupa e ficou nu, e diante daquela cena hilária Cão, um de seus filhos brincou com aquela situação, provavelmente teria sorrido, tirado um sarro. Entretanto, Sem e Jafé vieram com uma capa e o cobriram. Quando Noé voltou à lucidez os dois dedos duros, correram e contaram ao pai o acontecido, então Noé pichou uma maldição sobre Cão. Veja:

Gênesis 9 21-27: “E bebeu do vinho, e embebedou-se; e descobriu-se no meio de sua tenda. E viu Cão, o pai de Canaã, a nudez do seu pai, e fê-lo saber a ambos seus irmãos no lado de fora. Então tomaram Sem e Jafé uma capa, e puseram-na sobre ambos os seus ombros, e indo virados para trás, cobriram a nudez do seu pai, e os seus rostos estavam virados, de maneira que não viram a nudez do seu pai. E despertou Noé do seu vinho, e soube o que seu filho menor lhe fizera. E disse: Maldito seja Canaã; servo dos servos seja aos seus irmãos. E disse: Bendito seja o SENHOR Deus de Sem; e seja-lhe Canaã por servo. Alargue Deus a Jafé, e habite nas tendas de Sem; e seja-lhe Canaã por servo.”
Veja que Cão, o filho mais novo de Noé foi amaldiçoado. Dessa história surgiram as hipóteses de que a cor da pele dos negros deve-se a uma marca, que também é associada à maldição de Caim: “E pôs o SENHOR um sinal em Caim” (Gn. 4:15).

Depois de matar seu irmão Abel, Caim teria recebido de Deus uma marca, que segundo algumas deduções teológicas, também se associa à cor da pele dos africanos. Pois é, é nesses absurdos teológicos que Santo Isidoro se baseou, e a partir daí, surgiu também a esdrúxula ideia de que o mundo teria sido povoado a partir de Sem, Cão e Jafé Desse jeito, Santo Isidoro de Sevilha traçou o mapa-múndi, com apenas três continentes: Europa, África e Ásia.

Espere um pouco, que confusão é essa, então quer dizer que os negros trazem a marca de Caim e a maldição de Cão?

Segundo algumas hipóteses absurdas sim!

Para Isidoro de Sevilha a Europa descende de Jafé, a Ásia descende de Sem e a África descende de Cão.

Por que, justo a África teria que descender de Cão?

Lembre-se, essa é a visão de um padre, que viveu em plena Idade Média, época em que todas as explicações só poderiam ser dadas de acordo com a fé da Igreja e suas doutrinas. Essa visão foi repassada ao mundo a partir do eurocentrismo, ou seja, a partir da concepção de que a cultura, a visão, hábitos, crenças e costumes europeus devem servir de padrões a se impor a todas as outras culturas.

Por que essa maneira de dividir o mundo foi racista?

Ora, simplesmente porque apropriando-se dessa ideia, a Europa passou a julgar-se única, capaz e mais abençoada, portanto, também tinha o direito e o dever de civilizar os outros povos. Aproveitando-se dessa visão, os europeus saíram pelo mundo numa disputa colonialista e imperialista e passaram a explorar, não só a África, mas também outros povos como indianos e americanos, tudo isso sob pretexto de converter esses povos ao cristianismo. Para eles, já que os africanos descendem de Cão, suponho que os índios, então estariam até em situação mais confortável que os negros. Talvez por isso, que a Igreja nem se importou que os portugueses escravizassem negros trazidos da África no Brasil, já os índios, cuja origem nem aparece nessa visão teológica, foram “protegidos” pelos jesuítas e cooptados pela Igreja, para serem catequizados.
Os europeus conseguiram enviar seus missionários ao mundo inteiro, na América do Sul, foram padres portugueses e espanhóis, na América do Norte (EUA) foram os protestantes ingleses, ambos estiveram presentes também na África e na Índia onde enfrentaram muitas resistências. A Igreja apoiou a escravidão e os senhores garantiam bons cachês de oferta, não é a toa, que os “coronéis” eram tão queridos pelos padres na época da colônia.

Sob essa visão de levar a fé aos pagão e a civilização aos não-civilizados que os europeus entraram de soca e assumiram o título de “raça superior” a todas as outras raças, julgaram-se inclusive serem eles os responsáveis e predestinados por Deus para “civilizar” os outros povos que não faziam parte da raça branca europeia. Com esse intuito, colonizadores e missionários espalharam-se pelo mundo, levando um Evangelho pacificador para depois dominar, roubar e pilhar riquezas de outros povos. Não se pode negar essa história, ela está nos livros, foram registradas e não são meras invenções de quem é ateu ou contra a Igreja.
Isidoro de Sevilha desde o século XIII prestou um grande serviço ao racismo, e ao coloca a África como descendente de um filho maldito, fez também com que até hoje idiotas como o tal deputado e pastor tirem conclusões de que a pobreza dos africanos também é devido à maldição. Assim, a responsabilidade pela pobreza e miséria dos explorados, ao invés de recair sobre as costas dos poderosos empresários e donos de multinacionais, que exploram as riquezas alheias e fazem uso de uma farta mão-de-obra barata, com direito a um amplo mercado consumidor e tudo, recai sobre os próprios povos que se encontram debaixo do imperialismo aviltante. A pobreza passa a ser vista como uma inevitável conseqüência da maldição de Cão, e, o que é culpa do capitalismo, passa a ser culpa da pessoa explorada!
Acredito que o pastor Marco Feliciano é mais um desses teólogos que ensinam isso aos seus fieis. Quando vi a reportagem no jornal Gazeta
“Africanos descendem de ancestral amaldiçoado por Noé. Isso é fato.”

“sobre o continente africano repousa a maldição do paganismo, ocultismo, misérias, doenças oriundas de lá: ebola, Aids. Fome...”

Por dizer tamanha besteira, esse deputado deveria inclusive, perder o cargo para o qual foi eleito, sua função e obrigação é representar toda a população que é composta de uma diversidade que inclui negros, homossexuais e héteros. Ao justificar sua posição racista contra os negros esse pastor demonstra uma total ignorância referente ao contexto histórico de onde tirou essas ideias, desconhece a História, e acredito eu, que nem sabe o que é Imperialismo. Talvez seja mais um desses babacas que acredita na história de que as colonizações tenham sido um meio de evangelização dos povos e que o objetivo dos papa-almas inocentes responsáveis pela “evangelismo” era mesmo de levá-los ao paraíso. Por incrível que pareça essa ideia medieval ainda subsiste no século XXI, de que os africanos são mesmo descendentes do filho maldito de Noé.

Negros e gays vem sofrendo com declarações preconceituosas não é de hoje, antes um deputado já havia comparecido em programas de TV e feito declarações de extremo preconceito. Marco Feliciano é mais um que fortalece o grupo dos pastores e deputados homofóbicos e racistas desse país.

*Declaração feita no ano de 2011 ao jornal Gazeta/SP

Um comentário:

  1. Então todos os seres humanos são amaldiçoados, Todos nós somos decendêntes de Africanos, Só da cabeça de uma pessoa preconceituosa que poderia sair tal afirmação infame ,Repudiamos veementemente esse deputado,Que fomenta atitudes como essa,É pau guiné viu

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